sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sentir


Cena 1
[Diálogo sem imagem]
- Nunca me senti assim antes.
- Aposto que dizes isso a todas as raparigas que acabas de conhecer.
- Sim, mas acho que agora foi a primeira vez que realmente senti.
[A imagem de um jovem casal apaixonado, deitado debaixo de uma árvore começa a surgir do negro]
- Então e o que é que fazemos a partir daqui?
- Acho que teremos que ficar obrigatoriamente o resto da vida juntos.
- Curioso, estava mesmo a pensar numa pergunta para te fazer, a propósito disso…
- Qual é a pergunta?
- Se estavas livre nos próximos cinquenta e sete anos…
- Acho que posso arranjar algo na minha agenda…
[O jovem casal beija-se apaixonado e a imagem começa a desvanescer-se}

Cena 2
[A jovem rapariga está a descer as escadas de uma estação de comboios quando um encapuzado passa por ela, fazendo com que caísse das escadas. A imagem fica focada nela deitada no chão, passando depois para a imagem no hospital onde o médico fala com a família]
- Doutor, explique-nos… não conseguimos perceber o que ela tem… Ela está acordada mas não diz nada, não reage…
- Pondo por palavras simples, ela perdeu toda a sensibilidade do seu corpo. Será algo temporário, no entanto, podem haver algumas mudanças no seu comportamento.
- Porquê…? Se é algo passageiro, que alterações podem…
- O traumatismo na cabeça afectou a amígdala e o córtex, que através do tálamo, permitem com que as emoções existam. Precisam de ter muita paciência com ela, porque o acidente resultou num renascimento. Ela vai ter que aprender a sentir novamente. Ela vai ter que o querer fazer.

Cena 3
[De volta à mesma árvore do início, os dois estão sentados lado a lado]
- Não te faz lembrar nada?
- A minha memória não foi afectada.
- Por vezes sinto que ages como se não me conhecesses. Como se eu não existisse.
- Eu… apenas não sei… como agir. Eu não sei.

Cena 4
[Numa conversa entre a mãe da rapariga e o rapaz, estando a rapariga a ouvir atrás da porta]
- Eu desisto! Não consigo suportar mais isto. Não consigo estar com ela e sentir-me sempre a mais.
- Tens que ter calma… sabes que ela não está a passar por um período fácil…
- E eu?! Eu deixei tudo para trás por ela e nem sequer lhe posso tocar sem sentir que estou a tocar num cubo de gelo. Vazio é só o que ela me diz, nas suas palavras, nos seus gestos, nas suas expressões. Apenas vazio.

Cena 4
[A rapariga escreve uma carta onde se podem ler as palavras “… desculpa, não consigo fazer mais, não consigo sentir. Não consigo sentir nada, nem dor, nem tristeza. Acho que o melhor que tenho a fazer é partir]

Cena 5
[Sucessão de imagens onde se vê a rapariga a caminhar à beira da estrada, a saltar para um riacho, numa tenda sozinha, a falar com um casal hippie numa praia à noite ao pé de uma fogueira a finalizar com a cara do rapaz que sorri para ela e sorri ainda mais quando ela lhe retribui o sorriso. O sorriso dele desvanece-se quando vê algo na sua direcção, gritando o seu nome, grito que fica a ecoar]

Cena 4
“Talvez depois de eu partir, seja mais fácil para todos… sentir.”