terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Liberdade

Cena 1 – câmara a focar a nuca de um homem

1-Sinto-me preso, sabem? Em alturas do 25 de Abril fala-se de liberdade à boca cheia mas cada vez esse conceito me soa mais estranho. Liberdade, o que é isso? É votar? É poder falar? Ou serão essas pequenas definições de liberdade, aquelas usadas para nos cegar quando nos querem presos. Eu olho para todos vocês e apetece-me gritar aos vossos ouvidos, gritar até perder a voz, gritar até que acordem. Mas não é dessa forma que vocês acordam, vocês que vivem nos vossos mundos de plástico, que compram as ilusões das vidas dos outros, na esperança de se tornarem nas vossas ilusões.

A câmara começa a afastar-se

1-Não é assim que alguém que está cego começa a ver, até porque quando a luz vos bater nos olhos, vocês vão fugir, porque não estão habituados. O que conhecem é a escuridão, como vão querer encarar a luz que os cega, mesmo que seja momentaneamente. Sei que não vos interessa nada disto que vos estou a dizer, sei que amanhã vai continuar tudo na mesma, sei que apenas vão encontrar alguém para ocupar o meu lugar. Não me interessa… sinceramente, não quero saber o que vos vai acontecer, não quero perder tempo com alguém que não reconhece sequer a minha existência ou dá valor ao que som. Não adianta perder energia e com vocês estou farto de perder energia. Tal como todos, pensei que a liberdade era um dado adquirido, mas hoje, é-me mais claro que nunca que a liberdade é algo que deve ser conquistada, porque podemos falar, podemos votar, mas se nos mantivermos em cubículos, agarrados ao telefone 40 horas por semana, a nossa liberdade existe apenas para pagar empréstimos e impostos. Hoje eu vou ser livre. Aqui está a minha carta de demissão.

O homem vai-se embora e a câmara foca-se numa mesa comprida, com uma série de executivos a olhar uns para os outros, até que recomeçam a falar como se nada se tivesse passado.