domingo, 29 de novembro de 2015

O Homem Que Não Podia Morrer

Cena 1
Viela escura, um grupo de bandidos cerca um homem que tenta fugir mas sem ter qualquer hipótese.

1-Dá-nos a carteira, relógio.
2-Pede-lhe também a roupa!
1- Sim, dá-nos a tua roupa também.

Os bandidos apertam o cerco, rindo e obrigando o homem a encolher-se de medo. No entanto, o ruído de metal a ceder faz-se ouvir.

Narrador:
"Toda a minha vida fui perseguido, desde que era criança. Sempre senti como se tivesse um imã para os problemas. A parte estranha é que... nunca me aconteceu nada de mal"

Os bandidos olham todos para cima quando o barulho de metal a ceder cessa e o vento silva de cima. Um "O" de um lettering de neon do prédio cai em cima deles, deixando apenas como único sobrevivente a vítima que se ergue lentamente. Olha para cima e vê a palavra "HTEL" a piscar. Sobe a letra gigante e vai-se embora a correr.

Narrador:
"Normalmente não acreditam na minha história e os poucos que acreditam... dizem que sou abençoado. Algumas vezes penso que sim, outras vezes... desejava não estar sempre a passar por isto."

Cena 2
Na estrada, um camião cisterna despista-se e forma um efeito tesoura que vai na direcção do carro onde segue o homem. Este em vez de parar e sair do carro, carrega no acelerador enquanto grita.

Narrador:
"Já desejei a morte. Já tentei morrer, mas nunca consegui. Em vez disso, sempre provoquei mortes ao meu redor. Todos morrem e eu fico sozinho".

Um meteorito cai à frente do camião, criando uma cratera por onde se afunda, enquanto o carro onde o homem segue fica com os pneus furados, os quatro, e vai deslizando até ficar com a roda à beira da cratera.

Narrador:
"Só queria estar em paz. Percebe? Estar em paz."

3-Já ouvi falar de muita coisa estranha, já ouvi muitas justificações estapafúrdias, mas esta bate todos os recordes. Tudo bem, nós tratamos disso. Sem qualquer problema. Quando é que...?
Narrador - Prefiro não saber. Por favor, só peço que tenha cui...

Antes que o homem acabe a frase, o assassino puxa de uma arma e aponta-a directamente a ele. Quando puxa o gatilho, a arma explode-lhe na mão e uma das peças da arma enfia-se no seu cérebro. O homem levanta-se e sai da sala calmamente. Pega no telemóvel e liga um número.

Narrador - Já está. O que querem que faça mais?


sexta-feira, 3 de julho de 2015

Mundo em Ruínas

Cena 1 (e única):

Uma paisagem de uma planície alentejana, aparentemente sem vida, vasta, é observada pela câmara que se mantém imóvel. 

Narrador-Sempre me disseram, desde que me recordo, que vivia fechado no meu mundo. Que deveria prestar atenção ao que se passava à minha volta. Para deixar de viver no meu mundo de fantasia. Eles não se apercebiam... eles não percebiam que isso só fez com que eu mergulhasse mais e mais nesse mesmo mundo.

Ao fundo, começa-se a ver uma nuvem de pó a formar-se.

Esse mundo onde eu encontrava os meus verdadeiros amigos, onde nada de mal poderia acontecer. E eles, talvez por incompreensão ou inveja, não sei, tentaram destruir esse mundo, esse mundo onde eu conseguia proteger tudo e todos. Eles não conseguiam ver, não conseguiam compreender. E tal como qualquer bom humano, o que não se consegue perceber, é para destruir.

A nuvem de pó começa a aumentar cada vez mais que se aproxima do ecrã.

Então eles atacaram o meu mundo, numa tentativa vã de me resgatar. Acreditando que destruindo o que não compreendiam seria a única forma de me terem da forma que desejavam. Mas era tarde demais. Eu não ia voltar. E eu não vou. Vou defender este mundo até às últimas consequências, até ao último suspiro.

À frente da nuvem em pó distingue-se uma figura humana, a voar a alta velocidade e percebe-se, apenas em segundos, que a nuvem é causada por ela. A nuvem engolfa todo o ecrã, sentindo-se os grãos de areia, pedaços de terra e árvores a bater contra a câmara.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Liberdade

Cena 1 – câmara a focar a nuca de um homem

1-Sinto-me preso, sabem? Em alturas do 25 de Abril fala-se de liberdade à boca cheia mas cada vez esse conceito me soa mais estranho. Liberdade, o que é isso? É votar? É poder falar? Ou serão essas pequenas definições de liberdade, aquelas usadas para nos cegar quando nos querem presos. Eu olho para todos vocês e apetece-me gritar aos vossos ouvidos, gritar até perder a voz, gritar até que acordem. Mas não é dessa forma que vocês acordam, vocês que vivem nos vossos mundos de plástico, que compram as ilusões das vidas dos outros, na esperança de se tornarem nas vossas ilusões.

A câmara começa a afastar-se

1-Não é assim que alguém que está cego começa a ver, até porque quando a luz vos bater nos olhos, vocês vão fugir, porque não estão habituados. O que conhecem é a escuridão, como vão querer encarar a luz que os cega, mesmo que seja momentaneamente. Sei que não vos interessa nada disto que vos estou a dizer, sei que amanhã vai continuar tudo na mesma, sei que apenas vão encontrar alguém para ocupar o meu lugar. Não me interessa… sinceramente, não quero saber o que vos vai acontecer, não quero perder tempo com alguém que não reconhece sequer a minha existência ou dá valor ao que som. Não adianta perder energia e com vocês estou farto de perder energia. Tal como todos, pensei que a liberdade era um dado adquirido, mas hoje, é-me mais claro que nunca que a liberdade é algo que deve ser conquistada, porque podemos falar, podemos votar, mas se nos mantivermos em cubículos, agarrados ao telefone 40 horas por semana, a nossa liberdade existe apenas para pagar empréstimos e impostos. Hoje eu vou ser livre. Aqui está a minha carta de demissão.

O homem vai-se embora e a câmara foca-se numa mesa comprida, com uma série de executivos a olhar uns para os outros, até que recomeçam a falar como se nada se tivesse passado.