domingo, 28 de setembro de 2014

Corpos

Cena 1 – Hospital

-Eu estou com medo, doutor e não me diga que é ansiedade pelo meu marido ter voltado para casa.
-Se acha que não é ansiedade, qual a razão do seu medo?
-O meu marido… eu não o reconheço mais. Não foi o homem com quem casei.

Cena 2 – Um homem deitado na cama do hospital, com o quarto vazio com excepção de um outro homem a observá-lo.

“Não somos mais que habitantes em casas que julgamos ser nossas. Por vezes… quando o habitante está ausente, a casa… pode mudar de dono”

Cena 1 - Hospital

-Susana, é natural que depois de uma experiência terrível como aquela que a sua família atravessou que existam…
-Não doutor, não é isso. Inicialmente pensei que fosse isso, mas não se trata disso. O meu marido… não é a mesma pessoa. Não fala da mesma forma. Não tem os mesmos hábitos. E ele passa os dias a ver filmes antigos, a pesquisar na internet, não responde quando lhe pergunto o que se trata… Ele… assusta-me. O seu olhar, o seu simples olhar assusta-me.

Cena 2  – O homem que se encontra erguido aproxima-se e funde-se ao que está deitado na cama.

“Por vezes dormimos acordados, por vezes não valorizamos o que temos até que de uma outra perspectiva, passamos a valorizá-lo”

Cena 1 – Hospital

- Falo com ele e o seu olhar atravessa-me, como se não estivesse ali. Não sei o que fazer mais… tenho vontade de fugir.
- Depois de despertar de coma, é normal que exista algumas diferenças no comportamento, que exista alguma dificuldade no voltar à vida quotidiana. Deixe passar algum tempo. De qualquer forma, vou pedir para que ele venha cá para a semana que vem e depois poderemos avaliar a sua evolução.

Cena 2 – O homem que está deitado na cama levanta-se, mas o seu espírito fica deitado na mesma cama.

“Quando acordarmos... e damos conta que é tarde demais, que estamos longe de casa... não temos outra alternativa senão procurar o caminho de volta. O meu corpo é o meu templo, a minha casa. Este é o meu caminho para casa.”

O espírito levanta-se da cama.

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