quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Alma

Cena 1: Estúdio de gravação de música às escuras, onde se distingue apenas uma ténue figura na escuridão imersa nos seus pensamentos, quando é interrompida por uma presença:

1-Ainda não mudei de ideias, caso te estejas a interrogar.
2-Estava com essa esperança, confesso.
1-Não... continuo decidido a ir-me embora.
2-Peço-te, por favor... pensa melhor naquilo que estás a fazer, estás a deixar tudo para trás, toda uma vida, tudo o que construíste. Eu sei que a morte da Teresa te abalou...
1-Tudo o que tinha de mais valioso já perdi, não há mais nada pela qual valha a pena ficar.

Cena 2: O homem está sentado num bar, agarrado ao copo e enquanto está agarrado nele, as pessoas passam à sua volta numa velocidade vertiginosa, enquanto ele se mantém parado no tempo, parado numa combinação de desgosto com auto-compaixão. Até que o tempo volta a andar novamente e há algo que o desperta do coma auto-infligido em que está mergulhado. O som de uma guitarra. Todo o bar silencia e apenas a guitarra fala.

Cena 3: Exterior do bar.
1-Quem é aquela jovem que estava a tocar?
3-É a sobrinha do senhor Rodrigues, o dono do bar. Mas vai com cuidado...

Cena 4:
4-Não estou interessado.
1-Ainda não lhe perguntei nada.
4-Seja o que for que vai perguntar, não estou interessado.

Cena 5:
4-Vá-se embora
1-Ainda não lhe disse o que queria dizer.
4-Ainda não estou interessado.
1-E a sua filha? Será que está interessada ou será que essa sua protecção a vai impedir de viver os seus sonhos?
4-O que é que você sabe dos sonhos da minha filha?
1-Sei o suficiente apenas por ver os olhos dela a brilhar e o sorriso que se forma no seu rosto cada vez que ela está a tocar.
4-A última vez que apareceu alguém como o senhor, cheio de boas intenções em relação ao talento dela, a desilusão foi tão grande que ela quase desistiu de tocar. Tão grande que não havia nada que apagasse a tristeza do seu olhar. Não a vou fazer passar pelo mesmo.

Cena 3:
3-A música é o seu refúgio e a miúda é o refúgio do Rodrigues.

Cena 6:
1-Sei que já foste magoada e sei que não o queres ser outra vez. Olhar para ti é lembrar-me da razão pela qual estou aqui. Estou aqui por estava farto de estar num mundo onde o talento é sugado por sanguessugas, farto de participar nisso, como mais uma ferramenta. Não é isso que quero. Fugi desse mundo, fugi da música porque achava que não tinha mais nada para me oferecer até te ouvir a ti. Não vou pedir nada de ti que não queiras fazer, só vou pedir que sejas quem tu és. E o que tu és, está ligado, preso a essa guitarra que tens na mão.

Cena 7:
4-Avisei que isto ia acontecer e eu devia matar-te por causa disso, mas a culpa não é tua, é minha! Fizeste-me passar por idiota e magoaste-a, a única coisa que pedi para não o fazeres
1-Espera, percebeste tudo mal! A decisão é tua e dela, aquilo que eles disseram foi distorcido e não foi dirigido a vocês e sim a mim.

Voz por cima de uma série de imagens de uma banda a tocar
"Quando cheguei a um momento da minha vida e vi que tinha desperdiçado tudo, que tinha feito todas as escolhas erradas, culpei a música, culpei aqueles que pensava serem meus amigos, culpei todos menos a mim próprio, a minha ignorância e a minha ganância.Vendi aquilo que tinha de mais valor mas foi preciso encontrar-te para perceber que a música é a minha alma e que ela é imortal"


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